LIBERTEMOS A ÁGUA DOS ESPECULADORES!

 

“A escassez de água está causando preços estratosféricos dos estoques de água,” diz a publicação Energy & Capital de 23 de novembro de 2021. “Garantir a sobrevivência da humanidade e, também, ficar rico… invista em água hoje mesmo.”

 

Este discurso acompanha a notícia do primeiro lançamento de títulos da água no mercado de futuros de Nova York. Isto significa ampliar a privatização da água e torná-la um bem exclusivo de quem pode pagar ou especular.

No Dia Mundial da Água, 22 de março de 2022, a Ágora de Habitantes da Terra, junto com outras redes articuladas na MRG, Multiconvergência de Redes Globais, vai tornar público o convite para uma nova campanha: “ÁGUA, BEM PÚBLICO GLOBAL”. Não “um recurso” nem “um capital natural”, mas sim um Bem Comum do qual dependem todas as formas de vida que habitam a Terra, inclusive nós, a humanidade.

A crescente escassez de água, principalmente de boa qualidade para o consumo humano, é considerada irreversível. As grandes corporações são as primeiras responsáveis. A depredação da água inclui retiradas excessivas, poluição dos rios, lagos e mares, solos e atmosfera, alteração do ciclo da evapotranspiração nas áreas de floresta e no oceano, contaminações diversas, mineração, desmatamento, degradação do solo, intoxicação química intensiva, sérios riscos ecológicos ligados à obsolescência das grandes barragens. Um exemplo disso é o comportamento criminoso da mega corporação transnacional de base brasileira, a Vale, nos episódios das barragens de rejeito de mineração, que levou à morte de um rio – o Rio Doce – e ao desaparecimento de centenas de seres humanos e inúmeras outras formas de vida.

O segundo agente da crise hídrica são os governos nacionais. Capturados pela lógica do capital, eles se omitem de criar ou de implementar leis e regulações que protejam os direitos dos povos e da Natureza. A COP26 é mais um exemplo do fracasso resultante da falta de compromisso dos governos com o cumprimento das metas das suas pegadas ambientais, tornando as conferências do clima repetições monótonas de um teatro que já não engana ninguém.

O terceiro responsável pela escassez de água são as agências multilaterais, em especial o Banco Mundial, o FMI, a OMC e a ONU como um todo, que impõem aos países de baixa e média renda (seria mais científico falar do IDH – Índice do Desenvolvimento Humano) um modelo único de “desenvolvimento”, medido pelo PIB e reduzido a crescimento econômico. Para eles a dívida e os lucros estão acima da vida. Sendo agências financiadas por contribuições dos governos e, informalmente, pelo grande capital privado, elas não têm a necessária autonomia e independência para reger com rigor e sentido de justiça os destinos do Planeta.

Há ainda um quarto responsável – nós, a sociedade civil, as classes sociais oprimidas ou excluídas, os condenados da Terra, e também as classes médias, assalariadas ou autônomas, funcionárias do Estado, pagadoras de impostos, consumidoras e também produtoras. Cabe perguntar-nos como estamos usando nosso poder e nossa influência para defender as águas e o direito dos seres da Terra à vida digna? Estamos conseguindo acompanhar e reduzir nossa pegada ecológica? E nosso cuidado com a água, os mananciais, o lençol freático, os rios e o oceano? Estamos dispostos a enfrentar a voracidade de lucros das grandes empresas que visam criar oligopólios e monopólios para capturar os bens naturais dos territórios e desempoderar as comunidades?

O Brasil é o campeão mundial da água doce, com 12% do total da Terra. Os mananciais que suprem o país de águas minerais já foram públicos e faziam parte da crenologia – ramo da medicina que usa as águas minerais para prevenir e curar doenças. Hoje, além de Edson Queiroz, brasileiro, quatro grupos transnacionais (Nestlé, Coca Cola, Danone e Pepsi) transformaram este “mercado” num oligopólio. Na perspectiva político-econômica, esta renúncia à soberania sobre nossos bens naturais é anticonstitucional e criminosa. A política hídrica de hoje é dominada por concepções de água econômicas, comerciais, financeiras, utilitárias, produtivistas, orientadas para o lucro, e tecnocráticas. Os valores humanos, sociais, políticos, culturais e espirituais desapareceram da linguagem da política da água dos dominantes.

Mas as políticas de privatização das águas e sua monetarização para convertê-la em objeto de especulação financeira encontram já um obstáculo importante: a diversidade de frentes de luta popular em defesa da água e em favor do reconhecimento da Natureza como sujeito de direitos. Alguns exemplos destas frentes de luta no Brasil são: o Fórum Social Panamazônico, a campanha Água Nossa de Cada Dia, o Tribunal dos Povos do Cerrado 2019, o Pantanal Sem Limites, a Campanha da Fraternidade sobre políticas públicas, a Campanha das Cisternas no Semi-Árido, a campanha Territórios Pesqueiros, a Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil, a rede nacional de cooperativas Concrab do MST, que fecha cada ano com uma Feira Nacional da Reforma Agrária; Madeira Vivo, Tapajós Vivo, com os Munduruku e seus vizinhos ribeirinhos; as comunidades de Correntina e da Bacia de Paraguaçu (BA) contra o agronegócio e o hidro-negócio; os Quilombolas do Rio dos Macacos para o acesso à água em Salvador (BAHIA); as populações ao redor de Cauipe / Pecém (CE), Porto do Suape (PE), a Siderúrgica Ternium/ Vale (MG e RJ), Porto do Açu (RJ) e Piquiá de Baixo (MA) contra grandes complexos industriais; as comunidades de Santa Quitéria (CE) e Caetité (BA) contra a expansão da mineração de urânio; e, recentemente, a Rede Ecumênica da Água.

 

 

Há resistência! Os setores populares, comunidades tradicionais e povos nativos enfrentam os agentes desta devastação e oferecem alternativas concretas para a conservação dos biomas: reflorestamento; proteção do ciclo que gera os Rios Voadores da Amazônia; recuperação de áreas devastadas; produção de alimentos com agroecologia e agrofloresta; tratamento de resíduos; manejo sustentável das nascentes etc.

  • Unamos nossas forças em nível nacional e internacional para obtermos o cancelamento do comércio especulativo da água em mercados de futuro.
  • Apontemos os responsáveis por continuarem investindo e subsidiando os combustíveis fósseis, pelo desmatamento e pelas atividades extrativas voltadas para a exportação – monocultivo de grãos, pecuária, madeira e minérios, em particular na Amazônia.
  • Juntemos forças e finanças para multiplicar as práticas inovadoras, sempre que possível descentralizadas e geridas pelas comunidades nos seus territórios.
  • Abramos espaço institucional para que a Cidadania Planetária seja reconhecida como participante de pleno direito das atribuições da Governança Global.