Pobreza: uma realidade passível de superação?

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por Terezinha Baldassini Cravo

 

Em busca dessa resposta, na condição de militante e formadora popular junto à realidade da pobreza e há três anos participando da Campanha Permanente Contra a Fome e pela Inclusão Social- Paz e Pão da Arquidiocese de Vitória-ES, problematizo o tema da pobreza propondo  ao leitor a possibilidade de sonhar com uma sociedade mais justa, que enfrente a pobreza, elimine a fome e as desigualdades sociais, estabelecendo novos pactos de convivência planetária que permitam outras formas de vida, baseadas no respeito à diversidade e que incluam todos os seres vivos.

O fato concreto é que a situação indigna da Fome cresce no mundo, são 720 milhões de famintos. No Brasil, levamos cerca de mais de duas décadas para superar essa triste situação e, em apenas cinco anos, voltamos para o mapa da fome. Sair do mapa da fome há sete anos foi um pequeno passo que representou inúmeros esforços, mas nem de longe tocamos nas questões que são responsáveis pela existência da pobreza aqui e acolá.

É verdade que a pandemia ajudou agravar a situação da fome e da desigualdade social, mas nem de longe é a responsável pela situação da pobreza e da fome no Brasil e no mundo. Essa situação vem de longo tempo, fruto de um modelo econômico concentrador de renda nas mãos de poucos, que não investe na criação de empregos, moradia, saúde e educação, principalmente para as famílias mais pobres. E agora, vemos a Vida, o Direito Humano mais importante, sendo duplamente ameaçada, tanto pela pandemia como pelo aumento indigno da pobreza.

Na experiência da Campanha Contra a Fome e pela Inclusão Social- Paz e Pão, temos visto crescer um enorme sentimento de solidariedade e mobilização da sociedade civil. Ao nos aproximarmos do flagelo da fome, que devora a vida e a dignidade dos empobrecidos, garantindo  cestas básicas mensais, tem sido inevitável nos fazermos perguntas: por que tanta fome e pobreza no mundo? Como transformar a nossa solidariedade em algo mais permanente, que nos faça pensar em alternativas que transforme a vida dessas pessoas? Num mundo de tantas riquezas, por que tanta pobreza? Afinal, nos preocupa o futuro dessas famílias, se não vislumbrarmos caminhos para o fim da pobreza no Brasil e no mundo.

O caminho para o fim da fome já começou, quando vemos boa parte da sociedade envolvida com as ações de solidariedade para que, de imediato, seja garantido o alimento, mas essa ajuda é apenas o começo de um compromisso que precisa ser mais duradouro com a vida dos pobres. Por isso a importância de comprometer a sociedade, discutindo alternativas que resgatem a dignidade dessas pessoas que se encontram sem trabalho e renda, muitas ainda sem moradia. São pessoas humildes e gratas pelo alimento que recebem, mas que continuam vivendo em condições indignas, numa sociedade que poderia garantir melhores condições de vida para elas.

A campanha permanente de combate à fome tem questionado as causas que alimentam o conformismo com a existência da pobreza. Para muitas pessoas, é como se fosse um destino nascer pobre. Esse olhar de naturalização da pobreza nos incomoda, porque foi construído intencionalmente, para alimentar os interesses dos mais ricos da sociedade, que hoje representam 1% da população no mundo – que concentram 60% da riqueza do mundo.

Podemos dizer que manter o pobre conformado com a sua situação de pobreza e ausência de cidadania tem sido a forma com que o poder dominante se perpetua historicamente, para manter a maioria pobre da população sob controle. Hoje, uma das condições para ajudarmos a repensar as relações injustas da sociedade no Brasil e no mundo é desconstruir esse imaginário de conformismo, que as impedem de acessar a cidadania de direitos básicos, para uma vida de dignidade.

A  história de colonização, marcada pela eliminação/exploração dos povos nativos e negros no Brasil e na América lLatina, faz com que compreendamos esse conformismo com a pobreza aqui no Brasil. Durante três séculos, recursos naturais da América Latina foram explorados por diversos países europeus que cresceram às custas das riquezas dos países considerados subdesenvolvidos.  Desse modo, foi mais fácil para os países  europeus conquistarem avanços importantes no século XIX, chegando ao Estado de Bem-Estar Social. Essa conquista pactuada entre governo, trabalhadores e empresários, garantiu ao povo europeu, por um longo período, os direitos sociais básicos para uma vida digna.

No Brasil, após várias tentativas históricas frustradas de dar mais dignidade de vida aos pobres, por meio de políticas públicas mais consistentes, vimos a esperança da inclusão social   reascender no final do século XX, com o programa Comunidade Solidária, coordenado por Ruth Cardoso, evoluindo no século XXI com políticas de distribuição de renda, no período de 2003- 2016, com os governos Lula e Dilma. Os direitos sociais que países europeus haviam garantido para toda a sua população, com dois séculos de antecedência, aqui no Brasil começavam a ser garantidos, ainda que de forma tímida, por meio de inúmeras políticas públicas consistentes, voltadas para as classes populares.

Como em outros tempos históricos, essa pequena inclusão iniciada no país incomodou as classes dominantes, que, por caminhos perversos, através de um golpe institucional, impedem a continuidade desse projeto. Assim, as classes dominantes, por meio da globalização, agem no mundo para impedir o fim da pobreza, pois é pela sua manutenção que constroem seus lucros imorais.

Tem sido pela globalização e financeirização da economia que uma pequena parcela da sociedade se beneficia com altos lucros bancários, e do outro lado os pobres não têm o recurso para a compra de uma cesta básica. Se a pobreza é fruto de uma construção social injusta, por que não um movimento inverso? Ou seja, pensar uma construção social, envolvendo esse grande movimento de solidariedade presente no Brasil, que tenha a firme determinação de acabar com a pobreza, num tempo histórico que considerarmos possível e sem interrupção, pelo diálogo entre sociedade, governo e mercado financeiro.

Recorrendo a história, vamos entendendo por que é tão importante manter a maioria pobre da sociedade conformada e alienada dos verdadeiros motivos que geram as injustiças sociais. O modelo de globalização e financeirização que inclui apenas os mais ricos mostrou-se ineficaz para os interesses da maioria da sociedade. Somos chamados a refletir e repensar esse modelo estrutural que é o responsável pela criação da pobreza.  Papa Francisco nos interpela a “re almar” a economia e a buscar um novo jeito de nos relacionarmos com a nossa casa comum, a Terra.

O movimento internacional Ágora de Habitantes da Terra, assim como o Papa Francisco, também nos provoca a repensar esse mundo, reconhecendo que esse modelo de globalização predatório e desumano não responde aos problemas centrais do planeta Terra. Esse movimento aponta algumas ousadias, dentre as quais destaco duas, ambas importantíssimas: a luta para TORNAR A POBREZA ILEGAL NO MUNDO E A DEFESA DAS ÁGUAS. Essas ousadias provocam dimensões maiores de solidariedade e processos de cidadania comprometidos com a vida de todos os habitantes da terra.

A solidariedade como ato de amor ao próximo nos provoca a enxergar na pessoa pobre e vulnerável que encontramos nas ruas, ou aquelas a que atendemos pelas campanhas, as mazelas de uma sociedade que não lhes garante direitos básicos. As mazelas vividas por esse sistema gerador de pobreza se expressam para essas famílias na falta emprego, habitação, educação, saúde, cultura, lazer e, muitas vezes, na esperança, já que aprenderam que a pobreza é algo natural e não uma construção social injusta, a ser enfrentada e mudada.

Iniciei este texto convidando o leitor a sonhar com uma sociedade mais justa, e agora o convite é para esperançar possibilidades, a partir de uma construção dialógica que envolva esse grande movimento de solidariedade que vivemos na sociedade, em decorrência da pandemia. O primeiro passo é assumirmos coletivamente uma luta mais permanente e propositiva na sociedade, junto aos poderes locais/nacionais, enfrentando as mazelas da pobreza e da destruição do nosso planeta, que, como já evidenciamos, é fruto de opções egoístas de uma minoria rica que impõem um modelo econômico, social e político de exclusão dos pobres, porque não acreditam nos direitos à vida e à cidadania para todos.

A pandemia evidenciou que estamos diante de um momento delicado no Brasil e no mundo, em que não é possível continuarmos alimentando a pobreza e a destruição do planeta. A nossa solidariedade deve ser capaz de pensar alternativas que vão além da cesta básica e desse modo desumano de tratar os nossos recursos naturais. A cultura da fartura para poucos e de um Estado que não garante os direitos sociais básicos precisa ser enfrentada por todos que se colocam a favor da vida. É nesse mutirão pela Vida que os movimentos de solidariedade da sociedade civil podem reivindicar e conquistar o fim da pobreza e da destruição ambiental no Brasil e no mundo.

Os prazos para uma grande destruição do planeta já estão sendo anunciados pela ciência, caso os seres humanos comprometidos com a defesa da Vida não enfrentem as causas geradoras das desigualdades sociais. Aos 1% dos mais ricos interessa um Estado fraco e comandado pelos interesses do capital financeiro, cuja lógica está pautada em privatizações, desemprego em massa, negação dos direitos básicos já conquistados, autoritarismo – e no mais perverso de tudo, acabar com o que ainda resta de riqueza ambiental na Amazônia, que vem sendo preservada há mais de 500 anos pela luta e resistência dos povos originários na América Latina. É tempo de escolher o lado que queremos fortalecer: o da Vida para todos/as habitantes da Terra ou o da Barbárie? Felizmente as campanhas de solidariedade já estão fazendo a opção pela Vida.


(imagem: Os retirantes, Cândido Portinari)