CAMPANHA GLOBAL PELA ÁGUA COMO BEM PÚBLICO MUNDIAL

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“Chegou a hora da defesa da água como bem comum e público da humanidade ser objeto de uma mobilização global e, por que não, no marco das grandes decisões climáticas? (…) Gostaríamos de ler:  Bem Público… e que fique definitivamente especificado que não é um bem privatizável… para termos mais segurança frente à financeirização do mundo!”

Assim termina Gabrielle Lefevre sua breve mas precisa análise do IPO da água no mês de dezembro passado.

Na Carta da Ágora dos Habitantes da Terra, um dos objetivos a serem alcançados refere-se à salvaguarda e promoção do patrimônio público mundial e à criação de um Conselho Cidadão para a Segurança do Patrimônio Público Mundial. Propõe-se aqui tornar público em 22 de março de 2022, por ocasião do Dia Mundial da Água, nosso convite para participar de uma nova campanha global: “Global Public Water – Água,  Bem Público Global”.

Por que lançar uma nova campanha global pela água como bem público global? Seguem cinco razões principais:

A.

A crescente escassez de água, principalmente de boa qualidade para uso humano, é considerada irreversível. A escassez de água leva as potências mundiais, em nível local e nacional, a priorizar sua própria segurança hídrica e a acentuar a visão da água em termos de “competição/competitividade”, rivalidade, hostilidade, conflitos. Sua resposta,  aparentemente razoável,  gira em torno da resiliência (por meio de uma alta capacidade “local” de poder tecnológico e financeiro). Na verdade, sua resposta é a apropriação de terras e recursos hídricos em todo o mundo, colocando a água como mercadoria no mercado. Assim, segurança hídrica significa segurança “nacional” e, acima de tudo, segurança econômica para os interesses mais poderosos, e “segurança militar”. Resumindo: significa insegurança hídrica global.

  • Não podemos aceitar que tal perversão da segurança da vida se torne uma grande fonte de insegurança global.

B.

De fato, na origem e na reação aos fenômenos de escassez quantitativa e qualitativa da água, está a hegemonia cultural e ideológica da narrativa da água dos grupos sociais dominantes e de suas práticas econômicas, financeiras e tecnológicas. A política hídrica de hoje é dominada por concepções de água econômicas, comerciais, financeiras, utilitárias, produtivistas, orientadas para a eficiência e tecnocráticas. Os valores humanos, sociais, políticos, culturais e espirituais (justiça, igualdade, liberdade, amizade, partilha, gratuidade, irmandade, solidariedade, responsabilidade) desapareceram das visões e da linguagem da política da água dos dominantes. A linguagem é brutal, violenta, conquistadora, colonial. A depredação da água (retiradas excessivas, poluição, contaminação, mineração, desmatamento, degradação do solo, quimioterapia tóxica intensiva, sérios riscos ligados à obsolescência de grandes barragens – 19.000 das atuais 28.000) é intensificada graças a novos mecanismos e ferramentas como a “digitalização” e a financeirização técnica das atividades produtivas e de serviços.

  • Precisamos nos rebelar contra esta hierarquia oligárquica, violenta e injusta para com os valores da vida.

C.

Nesse contexto, falar sobre “o direito à água e ao saneamento” é um eufemismo. A desigualdade e a injustiça permanecem arraigadas em nossos sistemas políticos e socioeconômicos. Na verdade, a meta da ONU para o ano 2000 de “não deixar ninguém para trás” hoje soa como um anúncio cínico: mais de 2,1 bilhões de pessoas ainda não têm água potável suficiente para viver e  4,2 bilhões vivem sem serviços de saneamento adequados para sua saúde. O próprio conceito de direito humano à água, igual para todos, com justiça social, foi substituído nos últimos 30 anos pelo de acesso equitativo e efetivo à água. Com “acesso equitativo e efetivo”, deixa de haver qualquer obrigação por parte do Estado. Saímos do campo da lei e entramos no das necessidades de água que devem ser satisfeitas com base na acessibilidade econômica dos consumidores individuais. O preço “acessível” da água é um poder discricionário nas mãos dos gestores dos serviços de água, que fixam o preço da água de forma a garantir ganhos financeiros. Quer sejam privados ou “públicos”, os gestores ganham dinheiro com a água para o resto da vida.

  • Não podemos mais aceitar a submissão do direito à vida à lógica irracional e assassina do dinheiro

D.

A anexação da política à economia de mercado capitalista globalizada não só desvitalizou e banalizou o conceito de bem comum, reduzindo-o a uma modalidade (“em comum”), mas também esvaziou o significado de “bem público” (qualquer “comum” pode ​​ser público). Mas, acima de tudo, desvinculou os bens comuns e os bens públicos de seus estreitos vínculos com os direitos universais à vida e com os direitos da natureza. A água, como “bem econômico”, é objeto de rivalidade e de exclusão. Como o ex-chefe da Nestlé argumentou claramente, em sua opinião:  o direito à água é um direito idiota e inaceitável em nosso sistema econômico dominante. A sede de água para a vida do ser humano deu lugar à sede de apropriação e uso privados. A água acaba sendo apenas parte do domínio de bens e produtos industriais, tecnológicos e comerciais privados, com fins lucrativos. A monetarização da natureza e da água (tarifação da água e bancos de água) e a consequente financeirização especulativa da água completaram o trabalho de privatização efetiva da água e da vida.

A cotação da água como mercadoria na Bolsa de Valores em 7 de dezembro de 2020 é o último ato de expropriação da água como fonte de existência para todas as espécies vivas na Terra. A água passa a ser como petróleo, cobre, ouro. O fato de colocá-lo na Bolsa consagra a escravidão da vida à lógica financeira da exploração e devastação dos seres vivos.

  • Qualquer sociedade humana que hoje concorde em se manter e se adaptar a essas tendências estaria condenada a desaparecer como uma “comunidade humana”, e não poderia contribuir para a construção de uma humanidade capaz de atuar como comunidade global da vida na Terra no interesse de todos os seus habitantes.

E.

Por fim, a governança das condições de vida no interesse comum, público e geral iludiu os poderes públicos. O Estado é cada vez mais privatizado, seus poderes foram transferidos pelos próprios Estados para sujeitos privados globais. O caráter “global” dos bens e serviços públicos comuns essenciais para a vida depende da responsabilidade (!) de sujeitos privados globais. A fragilidade, ou mesmo a ausência, de políticas públicas globais na área de bens e serviços comuns essenciais à vida é um dos principais fatores estruturais no atual crescimento das desigualdades, injustiças, guerras e privação de liberdades.

  • A mercantilização e privatização da água para a vida são contrárias à paz e à justiça. Elas devem ser proibidas.

 

Resumindo as cinco razões:

A crescente escassez, principalmente de água de boa qualidade para uso humano, é apresentada como irreversível.

– Há que combater a suposta inevitabilidade da insegurança global da água.

  1. A política de recursos hídricos é dominada por concepções de água econômicas, comerciais, financeiras, utilitárias, produtivistas, orientadas para a eficiência e tecnocráticas. O último exemplo é a inclusão da água no mercado financeiro (a Bolsa de Valores) .

– Há que libertar dessa dominação o futuro da vida na Terra.

  1. Falar sobre o direito à água e ao saneamento é hoje um eufemismo. Desigualdade, injustiça e violência permanecem arraigadas em nossos sistemas políticos e socioeconômicos.

-Temos que reinventar nossas capacidades para respeitar e colocar em prática em escala global o princípio fundador do direito universal à vida. A começar pela Água – Bem Comum Público Mundial (BCPM) .

  1. Não existem mais bens e serviços públicos comuns, e o conceito de um bem público global permanece estranho à agenda política, socioeconômica e cultural global.

– Prrecisamos desmantelar a anexação da política à economia de mercado capitalista globalizada, proibindo a mercantilização e privatização da água para a vida.

  1. O governo das condições de vida de interesse comum, público e geral escapou aos poderes públicos. O Estado público (Res Publica) está cada vez mais privatizado.

É necessário dar a conhecer o que significa o Estado, suas responsabilidades e seu funcionamento democrático republicano (municipalista, autogestionado, federalista…), dando a conhecer os principais bens públicos mundiais (água, sementes, terra, saúde, conhecimento e educação, energia solar).

 

Mais informações sobre as campanhas desenvolvidas pela Ágora Brasil em breve