Poema do livro “Ave Terra”, de Euler C. Cruz (2000)
XIV
Tarde cinzenta
névoa.
Intensa
a chuva cai sobre as copas
mas pelo crivo das ramas
asperge o chão devagar.
De onde estou
vejo as gotas que insinuam-se
por folhas secas
raízes
como insetos de cristal.
Me aquieto aos poucos
me amanso
e do silêncio lanço
minha alma
aos líquidos fios que fluem.
Qual finos fusos a levam
lentos
pelos poros do solo
aos fundos
escuros lençóis.
Ali repousa minha alma
longamente adormentada
até que o sono a leva em sonhos
a nascente em meio à mata
e a faz ver acima
no azul
entre copas
a mais doce e fina luz do sol.
E à sombra do verde
em meio a pedras e troncos
em fria senda de areia
clara
minha alma corre em córregos
forma rios
e
serena
chega ao mar.
Visita os recifes
vê arraias
águas-vivas
peixes azuis
hipocampos
e se encanta com as estrelas
da noite das profundezas
a que desce
a sonhar.
Repousa minha alma
longamente
no oceano
até que alguma corrente
a faz emergir como espuma
sobre as ondas
a surfar.
Então
o vento a recolhe
a faz vapor e nuvem
a sopra até as montanhas
onde pura
renovada
cai em chuva sobre as copas
e orvalha o chão devagar
(meu corpo
já o sinto solo
folha tronco galho
areia pedra escolho
porto parte
vento
mar).